Com ambientação única e um verdadeiro level design metroidvania, jogo de Billy Basso larga o jogador em um poço e nos leva à um estranho, mas hipnotizante mundo
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Contextualizando
Foi navegando pela internet e o youtube que eu me deparei com Animal Well, e bastou alguns minutos pra eu sentir que deveria experimentá-lo, pois mexeu não só com minha nostalgia, mas em um interesse genuíno em metroidvanias, pixelart e o respeito pelo que o cenário independente vêm produzindo nos últimos anos. Então, para além de uma análise, esta é a minha experiência pessoal com o jogo e parte do que extrai dele e ele de mim.
Dunkey, o criador de Animal Well, Bigmode e Shared Memory
Dunkey por algumas vezes alfinetou a indústria de grandes jogos, em seu vídeo my indie game publishing company ele deixou isso claro, ainda que em tom humorístico e bem sagaz ao usar o vídeo como promoção e oferta de vagas, e a sua crítica feita em relação aos jogos modernos é válida: a indústria produz muitos jogos medíocres.
Sua experiência com os diversos gêneros somada à uma perceptível revolta com o que as grandes desenvolvedoras vem produzindo o levou a fundar a BigMode, a sua própria empresa de jogos independentes e a publicadora de Animal Well, o metroidvania que curiosamente vêm fazendo sucesso nas últimas semanas.
O primeiro game lançado pela BigMode está sendo muito importante para a empresa de Dunkey, assim como para o desenvolver de Animal Well: Billy Basso, que fundou a Shared Memory exclusivamente para esse fim.
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O que torna Animal Well especial?
Visuais únicos e fantásticos
É claro que a primeira coisa que prestamos atenção é em seu visual, que apesar de contar com um pixelart simples é repleto de detalhes que o tornam muito elegante e característico, mas não é a única coisa que torna Animal Well especial, confira, ao longo desse post, tudo que, na minha opinião, torna o jogo uma obra de arte que nutri um grande carinho.
Billy Basso criou sua própria engine para que determinados efeitos e mecânicas fossem possíveis, o sistemas de iluminação é algo bem bonito de se ver, é interessante notar como a luz interage com o cenário e faz com que ele não seja somente um background isolado da iluminação.
A água é outro aspecto bonito, ela espelha e distorce como a água na vida real, o que pra mim gerou uma imersão maior, e com certeza a experiência de Animal Well não seria a mesma se esse detalhe não fosse inserido, uma vez que o jogo se passa em um poço e a maior parte dos locais está repleto de água.
O mesmo vale para os efeitos de fumaça, que reagem à passagem do personagem. É muito curioso olhar e analisar esses detalhes em um jogo de plataforma em pixelart, normalmente estamos olhando para esse tipo de coisa em grandes produções, mas eu entendo que a proposta de Animal Well com isso não é só de causar uma imersão e identidade, mas porque também faz parte das mecânicas e atmosfera do jogo, que brinca com os efeitos de luz e fumaça para causar uma sensação de desolação e também servir como sistema de combate, como é o caso das bombinhas que usamos para espantar os fantasmas.
Referências aos clássicos do terror
É interessante resgatar as referências que o jogo têm aos clássicos do terror. No início eu achei que era somente uma impressão minha, até eu perceber que uma certa musiquinha tranquila tocava apenas quando estávamos na sala de salvamento, muito parecido com o que acontece em Resident Evil.
Durante as minhas pesquisas eu confirmei as dúvidas, com as falas do próprio criador e descobri que realmente é uma referência, e não só ela, mas algumas mecânicas como as manivelas para abrir passagens e os fósforos para acender determinadas áreas também são referências aos Resident Evil clássicos. E isso aconteceu porque originalmente Animal Well seria do gênero terror, e no fim, ele acabou herdando algumas das primeiras ideias que Basso teve.
Detalhes que evidenciam o capricho de Basso
Esses são só alguns dos cuidados que percebemos no jogo, quando olhamos com mais atenção, vemos mais detalhes que ao meu ver melhoram a sua imersão, como ficar parado com o personagem por muito tempo faz com que ele durma, isso de longe era algo necessário, mas está ali, como demonstração de capricho. Da mesma forma, passar pela grama e plantinhas grudadas no teto geram uma animação.
A atmosfera criada pelo silêncio
Combinado ao seu belo visual temos também a falta de músicas, que é substituída por um barulho da ambientação, dos animais e criaturas que vivem no poço, poderíamos dizer que por ter sido produzido sozinho, Basso teria dificuldades em compor músicas para o jogo, mas isso não seria um problema tão grande já que sabemos que há disponível na internet várias opções de músicas grátis que podem ser trabalhadas e distorcidas para criar as músicas do game, não, a escolha de ausência de música é proposital, para criar uma atmosfera de solidão e aumentar a tensão nos momentos em que ela está presente.
O labirinto
Mas, para mim, eis o trunfo do jogo, seu level design. Bom, eu não tenho certeza, mas eu tive o feeling que Animal Well seria um bom jogo assim que ele começou, pois além de ser extremamente direto, ele recompensou meu extinto de explorador ao ir para esquerda, ao invés da tradicional direita e me agraciar com um item oculto.
Esse simples detalhe me mostrou que Billy conhece bem a história dos metroidvanias. Mas como assim?
A progressão em jogos clássicos
Por muito tempo os jogos de plataforma sempre induziram os personagens a irem pra direita no cenário como um caminho sem volta.
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Simplesmente porque é mais confortável, e isso começou a mudar com a introdução de explorações mais complexas nos games, que permitiam o jogador ir e vir mais livremente, embora a ideia esteja presente em outros jogos, eu acredito que um bom exemplo disso está em Super Metroid, que apresenta isso de uma maneira muito escancarada.
Quando Samus chega em Zebes, o caminho à sua direita está bloqueado, e é somente quando ela vai pra esquerda que consegue progredir, forçando uma quebra nesse paradigma.
É claro que nos jogos modernos já estamos acostumados a ir e vir, mas na época de seu lançamento isso era pouco comum.
A progressão em Animal Well
Voltando para Animal Well, na mesma sala à esquerda do primeiro mapa, há caminhos escondidos e isso me mostrou que seria um jogo repleto de explorações.
E é, e acredito que ele faz isso de maneira incrível, assim como bons metroidvanias, você é livre pra ir e vir e cumprir determinados desafios na ordem que quiser, embora exista uma ordem de progressão desenhada, onde ele te libera acesso a novos lugares, somente quando você consegue determinados itens.
Seu labirinto consegue nos desafiar, mas sem abusar demais da nossa inteligência, e obviamente para quem tem familiaridade com o gênero irá sacar mais rápido o funcionamento de determinadas regiões, mas existe um cuidado no level design para ensinar o jogador primeiro como esses labirintos funcionam e por isso ele consegue ser tão interessante. E a melhor parte disso é que não existem diálogos ou tutoriais mostrando nada, ele convida a descobrir por conta própria e a descoberta é algo recompensador.
Em um dos primeiros mapas, o jogador vai se encontrar preso em uma região sem volta e é por meio da exploração que ele encontrará uma alternativa para sair dali. Mostrando para o jogador que ele terá que estar alerta e ser atento aos detalhes do ambiente, que é propositalmente confuso, para que ele consiga progredir, além de avisar para o jogador que há várias áreas secretas a serem descobertas.
Eu diria que Animal Well instiga a exploração, sem frustrar com caminhos muito complexos.
Os desafios
Diferente de vários metroidvanias, inclusive de Super Metroid, Animal Well não possui um combate direto, o mais próximo disso são as bombinhas que já mostrei aqui, mas ainda assim não existe nenhum sistema de mira ou armas de disparo, pelo contrário, os itens que vamos coletando são bem atípicos e nos ajudam a resolver vários dos quebra-cabeças espalhados pelo mapa. Vão desde uma varinha de bolha de sabão até um yoyo.
Eu acredito que essa abordagem ajuda a criar uma certa tensão e vulnerabilidade do personagem, que é só um… uma bola marrom com uns olhinhos fofos, mas acredite ou não, a tensão existe. E um dos momentos mais icônicos é o encontro com o ganso, um dos grandes chefes do jogo.
Algo que pra mim tirou parte da tensão e que eu não gostei muito foi que Billy inseriu um save meio que automático enquanto jogamos, isso porque o jogo na verdade está constantemente salvando e acredito que isso faz com que deixemos de ser cautelosos, pois sabemos que não tem a chance de perder o progresso caso eventualmente a gente morra em alguma parte.
E eu não acho um jogo tão grande ou difícil pra ter um save automático, isso tira um pouco da cerimônia que acontece com as salas de salvamento, pois quando eu descobri isso, elas pararam de ter muita importância durante o gameplay e se a ideia era reproduzir a sensação que os clássicos resident evil fazia com elas, ele falhou um pouco ao permitir isso. Mas é claro que se você sair do jogo completamente sem salvar, você irá perder o progresso.
O uso inusitado e múltiplo dos itens
Voltando para os itens, algo bem interessante é que usamos esses itens inusitados, para resolver puzzles inusitados para um jogo, mas muito criativos.
Também temos a liberdade de usar a criatividade para passar por regiões de forma não tão convencional, e vai depender de como exploramos e os itens que temos até o momento para passar por elas, já que eles também podem ser usados de mais de uma maneira, algo que dá uma sobrevida para Animal Well, uma vez que na sua primeira camada são poucos itens a se usar, e nem todos são obrigatórios para adquirir um de seus finais e explorar todas as regiões.
Mas não precisamos ficar quebrando muito a cabeça em como utilizar as ferramentas, o próprio jogo vai te dar as pistas visuais e instintivas para usar elas de diferentes formas, para passar pela primeira camada do game, que seria o caminho principal que Billy desenvolveu até a conclusão dele.
Por exemplo, em uma das regiões logo no começo do jogo somos forçados a usar a bombinha em um local escuro para matar um fantasma, e ao mesmo tempo percebemos que as bombinhas também servem para iluminar temporariamente as áreas, algo que usaremos mais para frente pra passar por outras regiões.
Esses conhecimentos adquiridos durante a gameplay direta vão ser somados à intuição que temos para combiná-los de formas diferentes e continuar explorando regiões e áreas secretas do jogo.
Assim, Animal Well conseguiu reproduzir de forma muito bem pensada o que está presente nos metroidvanias, fazendo o jogador pensar, algo que eu aprecio bastante nos jogos, que hoje em dia são carregados de diálogos e tutoriais e atribui ao jogador apenas o desafio de conduzir o personagem de uma área para outra.
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Minhas interpretações do universo de Animal Well
Para a última parte desse post eu gostaria de salientar as minhas impressões sobre o universo de Animal Well. Como deve ter ficado claro até aqui, o jogo não deixa explícito muitas coisas, tudo fica a depender de nossas interpretações.
Impacto inicial
Quando eu o finalizei, eu tenho que admitir que me desapontei um pouco, porque esperava que muitas peças que foram ficando soltas iriam se encaixar e trariam uma sensação de completude para o fim do jogo, e por mais que sua proposta seja contar uma história por meio da ambientação, acontecimentos e criaturas presentes, eu senti falta de algo mais sólido.
Eu sabia que havia ficado muitas coisas para traz, pois os personagens como o canguru – que por conta da capa do jogo eu acreditava com todas as forças que seria a mãe do personagem principal-, os gatinhos que não consegui liberar, a coleção de ovos que não finalizei e os segredos presentes na casa do personagem, como o relógio e uma espécie de portal dimensional e muito outros ficaram pendentes.
Segredos profundos
E foi aí que decidi pesquisar e descobri toda uma nova camada que o jogo esconde em suas mais profundas entranhas, mas assim… profundas mesmo, tão profundas que possivelmente nenhum jogador de forma natural poderia descobrir e foi exposta possivelmente por meio de data mining (que é o processo de explorar os arquivos e programação do jogo).
Acontece que existem uma série de novas ferramentas para se descobrir, pelos menos mais 5 dos quais eu não peguei, novas áreas, novas canções e todo um novo final em Animal Well. Isso me deixou com uma sensação mista, não porque o jogo possui segredos profundos, mas porque esses segredos profundos escondem coisas mais valiosas da história do game que necessita de uma dedicação muito grande para conseguir, e, ainda assim não deixa muito claro o que tudo isso significa. E eu acho que pelo menos em termos de história, isso não deveria estar tão escondido, mas por outro lado é eu entendo que é a proposta do jogo.
O mundo no poço
A minha interpretação final, embora eu tenha as minhas dúvidas se vale a pena divagar muito sobre isso, adicionando o conhecimento que obtive dos segredos extras, é que estamos em uma dimensão própria representada por um poço do mundo dos humanos, repleto de animais, e a justificativa para isso é que os itens que adquirimos são brinquedos humanos, incluindo o telefone na sala de salvamento.
Esse poço, por sua vez, está amaldiçoado por conta de forças da sombra que habitam suas profundezas e quanto mais profundamente vagamos pelo poço mais descobrimos as maldições que o infectaram, há muitos espíritos e criaturas medonhas espreitando, inclusive a possível geradora de todo esse mal, a mantícora.
Ainda tenho a impressão que a canguru é nossa mãe, já que aparentemente nada diz o contrário, e que provavelmente saiu de casa e foi amaldiçoada. Então caímos de nossa casa ou fomos levados dela e a jornada para encontrar o caminho de volta começa. A canguru nos persegue em alguns momentos e tocando a flauta, provavelmente emanando a nossa voz, conseguimos acalmá-la.
Mais em sua superfície, o poço é repleto de outros animais que configuram o mundo de Animal Well, alguns bons, outros neutros, alguns que foram possivelmente domesticados e uns amigos também, como esse que segundo Dunkey é uma chinchila, mas que o tempo todo só me lembrou o Totoro de Meu Amigo Totoro.
Animal Well é um jogo repleto de segredos, e eu não duvido que alguns ainda não tenham sido revelados, eu recomendo que os curiosos busquem mais informações sobre esses diversos segredos na internet, ou se tiver disposição e tempo, dentro do próprio jogo.
Conclusão
Enfim, essas foram todas as minhas impressões sobre o jogo, que apesar de ter me desapontado um pouco com o final muito vago, é uma jornada e experiência que eu definitivamente recomendo.
Eu espero que tenham gostado dessa análise e observações do jogo. Também gostaria de ler as observações de vocês sobre o jogo, têm algo a acrescentar, comentar, algo que viu ou descobriu por conta própria ou quer partilhar um pouco das suas experiências também? Deixe sua opinião nos comentários.
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Autoria: Luis Felipe
Fontes: My indie game publising Company | Site Animal Well
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