Nascendo nos primórdios da ascensão tecnológica dos videogames, a pixel art hoje se manifesta quase como um movimento artístico, se refletindo na evolução do design de jogos
A pixel art ganhou uma relevância nas últimas décadas, sobretudo com a ascensão do mercado de jogos independentes, e, embora não seja considerado um movimento artístico ou um estilo em si em termos tradicionais dos conceitos, é definitivamente uma expressão artística que consolidou um espaço grande na era digital e leva esses rótulos de uma maneira ou de outra, usaremos aqui a expressão “estilo” e até levantaremos uma discussão a despeito disso.
A arte representa não só uma abordagem artística, mas toda uma simbologia retrô e nostálgica para a comunidade criadora e consumidora. Jogos modernos como Undertale (2015), Stardew Valley (2016), Celeste (2018), Blasphemous (2019) e Sea of Stars (2023) – salve controversas – são apenas alguns dos mais conhecidos títulos que ganharam destaque e usam o estilo como base artística para resgatar a jogabilidade e mecânicas antigas, mas ainda se reinventando com as novas possibilidades que a tecnologia permite e a criatividade alcança.
Mas a pixel art se expandiu para além dos games, há vários artistas que manifestam o gosto pelo estilo como hobbies e até profissionalmente, fazendo animações e ilustrações.
No post de hoje, vamos explorar esse universo tão vasto, sua origem, estilos, influência, curiosidades e a pixel art nos dias atuais.
Nasce um pixel
Em primeiro lugar, o que exatamente seria um pixel? Não entraremos em termos técnicos nessa discussão, mas podemos dizer que na criação e composição de imagens digitais, pixel é a menor unidade que compõe uma imagem, a grosso modo, quanto mais pixels uma imagem possui, melhor será sua definição, da mesma forma uma menor quantidade de pixels, diminui a definição da imagem, que pode ser entendida como qualidade visual dela.
Logo, podemos dizer que a pixel art é, mais apropriadamente, um estilo de arte digital que é caracterizado pela criação de imagens através da manipulação desses pixels individualmente, obrigatoriamente em uma menor resolução. O termo deriva das palavras inglesas picture e element (elemento de imagem).
Sua história remonta às limitações tecnológicas dos primeiros computadores e consoles de videogame, que exigiam soluções criativas para representar gráficos de forma eficiente, porque o grande volume de pixels gerava imagens grandes que os computadores da época não aguentavam.
Origem na era de ouro dos videogames
Poderíamos dizer que a história ou origem da pixel art começa com Pong (1972), literalmente o primeiro videogame, no sentido mais próprio da palavra. Um simples jogo de esporte de tênis de mesa desenvolvido pela Atari, que ganhou popularidade com tal. Preto no branco e pontos marcam o que seria o primórdio de uma indústria bilionária. E nele está um dos primeiros traços dos pixels como representação artística.
No entanto, a história da pixel art ganha novos contornos, mais precisamente, nos anos que se seguiram à Pong, quando os primeiros videogames domésticos surgiram. Com consoles como o Atari 2600 e os computadores pessoais da época, como o Commodore 64 e o ZX Spectrum, que tinham hardware limitado, com pouca memória e capacidade gráfica reduzida. Forçando os desenvolvedores a criar gráficos com um número extremamente limitado de cores e resolução, resultando em imagens compostas por pequenos blocos de cor sólida, entre outras palavras, os pixels.
O jogo “Space Invaders” (Taito, 1978), desenvolvido por Tomohiro Nishikado, é um dos primeiros icônicos exemplos de pixel art em jogos antigos. Os gráficos simples, mas reconhecíveis, das naves alienígenas e dos canhões terrestres foram cruciais para definir o estilo visual dos primeiros jogos de arcade.
A propósito, Tomohiro Nishikado é conhecido por iniciar a “era de ouro dos jogos eletrônicos”, um período particular da história entre o final da década de 70 e meados da década de 80, onde houve avanços tecnológicos relevantes na indústria e criação de jogos, sobretudo, os arcades ganharam notoriedade. Neste mesmo período surgiram clássicos como Pac-Man (1980).
Dos anos 80 em diante, a pixel art se consolidou como um elemento central dos videogames. Consoles domésticos como o Nintendo Entertainment System (NES) e o Master System produziram clássicos em pixel art e ficaram bastante populares e o estilo cada vez mais familiar e difundido. Super Mario Bros. (1985), Metroid (1986), Castlevania (1986), Sonic the Hedgehog (1991), com seus sprites coloridos e animações simples, exemplificam o auge da pixel art nesta época.
Estes jogos não só definiram um padrão estético, mas também demonstraram como a criatividade poderia superar as limitações tecnológicas. Hoje, eles são grandes franquias que sobreviveram ao tempo e são produzidos até os dias atuais, com gráficos modernos em 3 dimensões.
A pixel art criou uma cultura!
Até este momento a pixel art era condicionada à tecnologia gráfica restritiva da época, somente com o avanço dela por volta dos anos 90 e 2000 que a pixel art começou a ser vista como uma estética retrô, um estilo nostálgico que celebrava os gráficos antigos.
Nesse período, jogos que exploraram o potencial do hardware dos consoles como Super NES, a evolução do NES, e as novas versões do Mega Drive deram vida à clássicos cultuados ainda hoje como Chrono Trigger (1995), considerado um dos maiores RPGs de todos os tempos, com pixel art e animações mais ricas, com mais sprites – desenhos para animação – e pixels que davam mais definição aos personagens e cenários. Da mesma forma Final Fantasy 6 – no ocidente – e Super Metroid.
Vale muito bem lembrar que esses jogos são contemporâneos de clássicos em três dimensões como Star Fox (SNES) e seguiram acompanhando um tempo outros exemplos como Resident Evil, Crash Bandicoot, Tomb Raider, todos de 1996.
Mas isso não significa que um jogo em 3D não adote a pixel art, o que acontece é que a tendência é sempre de evolução para definir os gráficos de acordo com a potencialidade dos hardwares, a terceira dimensão só significa que os jogos passaram a trabalhar com um terceiro eixo (profundidade), mas ainda podiam adotar um estilo mais pixelizado, devido à limitação de se criar altas definições em três eixos diferentes, exemplo mais visível no mencionado Star Fox (1993).
A ideia é enfatizar que neste período a pixel art também era adota não só por conta da limitação, mas como uma vontade de criação com o estilo. The Legend of Zelda: Minish Cap (Nintendo, 2005) adota um estilo pixel art em volto à jogos em 3 dimensões.
Indústria independente em prol da pixel art
Mais ou menos dos anos 2000 para frente, a pixel art experimentou um renascimento, impulsionado por uma nova geração de desenvolvedores independentes e entusiastas da arte digital, softwares como RPG Maker (1997) e Game Maker (1999) para criação de jogos surgiram e ganharam um destaque.
No entanto, tudo isso ficou entre idas e voltas, do outro lado da história, as grandes indústrias produziam jogos cada vez mais ambiciosos e mudavam os padrões de consumo do mercado, fazendo com que a produção de jogos exigisse uma equipe maior, algo que o cenário independente tinha dificuldade de acompanhar, devido às limitações de orçamento e acesso à melhores tecnologia para produção de jogos mais atraentes.
É em meados de 2010 que a pixel art, novamente, começa a ganhar uma nova camada, com a ascensão de plataformas digitais como Steam e Itch.io, que se tornaram vitais para a divulgação de jogos independentes – muitos deles puderam ver a luz do dia com a criatividade e inventividade de desenvolvedores indie, muitos deles adotando a pixel art e dando toda uma nova visão à jogos dos passado que adotavam o estilo da pixel art muito mais por obrigação.
A Pixel art quase como um movimento artístico
A partir desse momento a pixel art deixou de acompanhar as limitações tecnológicas rumo à sua própria definição de arte, ganhou vida e independência e passou a ser usada para definir um estilo com personalidade própria e se aliou a tecnologia para criar novas formas de exploração do estilo.
Jogos como Undertale (2015), Celeste (2018), The Messenger (2018), Sea of Stars (2023) e o mais recente Animal Well (2024) não só celebram a estética da pixel art, mas também exploram suas capacidades narrativas e expressivas, brincando com os diferentes estilos dentro da própria pixel art, novos efeitos de luz e sons, que outrora não podiam ser executados, são implementados ao estilo.
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Será que com isso a pixel art se torna um movimento artístico? Embora a ideia aqui não seja esgotar o tema, daremos um toque pessoal sobre a nossa percepção. Há questionamentos sobre o que define um movimento artístico, ele é muito comumente caracterizado como uma tendência artística que possui uma filosofia ou objetivo, possui seguidores, produtores, estilos, temas e técnicas, e ainda é ocasionado por uma espécie de reação à movimentos anteriores ou continuação dos mesmos.
A pixel art possui muitos desses elementos, há uma cultura gerada em torno dela que abraça uma ideia, a de resgatar, no imaginário, uma sensação nostálgica e representar visualmente os jogos antigos, o que poderíamos considerar como tema. Há também seguidores, novos produtores que usam a pixel art como um instrumento de trabalho, que vai muito além dos jogos, Paul Robertson, por exemplo, é um animador que desenvolve trabalhos em pixel art. Octavi Navarro, desenvolvedor de jogos e artista, e outros que poderíamos citar. Há técnicas digitais para desenhar em pixel art e cursos existentes.
Dentre eles, só não podemos colocar a pixel art como uma reação à um estilo anterior, como bem vimos aqui, ela surgiu, antes de tudo, como uma necessidade, porém podemos apontar que a pixelart quer resgatar e continuar um estilo que surgiu lá atrás, não para protestar contra algo, mas apenas para simbolizar uma ideia.
Claro que a ideia não é criar um motim, mas apenas levantar uma questão interessante, entendemos que a pixel art é um movimento isolado com um propósito mais fechado, que não pretende ser revolucionário e muito menos atinge uma grande massa, só, por fim, podemos entender que ela é um movimento que influencia criadores e consumidores, ainda que não se encaixe nos termos históricos de movimentos artísticos.
Os diferentes estilos de pixel art
Algo interessante que vale mencionar é que por conta de sua natureza evolutiva, passado por diferentes etapas do desenvolvimento tecnológico, a pixel art também se encontrou em diferentes estilos.
Por exemplo, na era 8-bit, não se podia inserir muitos pixels e cores nos videogames, portanto ela se desenhou de uma forma diferente, mais simples, fundos mais minimalistas, o mesmo aconteceu na era 16-bit, que foram ganhando mais detalhamento e pixels, ambientes mais ornamentados, curvas mais sinuosas e assim se seguindo. Essa evolução se refletiu nos diferentes estilos que são resgatados hoje e receberam nomenclaturas, embora pouco mencionadas.
Há uma classificação bem abrangente e descritiva colocada pelo jornalista de jogo Shin Imai (ex-editor da IGN Japão) que classifica a pixel art de vários jogos em dois eixos: no eixo vertical a distinção encontra-se “high-bit/low-bit” (se referindo a quantidade de peso visual da imagem) e no eixo horizontal encontra-se o “retrô/futuro”.
Considerando essa perspectiva, também é possível olhar de uma maneira diferente para os estilos, considerando “low-bit” como uma linha mais minimalista e o “high-bit” como um estilo com mais pixels e cenários detalhados, e ainda uma terceira vertente que mescla as capacidades da tecnologia atual às artes em pixel, seja ela minimalista ou “high-bit”, algo que seria correspondente à sua visão de “avant-garde”.
Minimalismo
O estilo minimalista de pixel art foca na simplicidade e na eficiência, utilizando o menor número possível de pixels para transmitir uma ideia ou imagem, onde a estética é limpa, resgatando os primórdios das pixel art como em Space Invaders. Podemos citar como exemplo moderno desse estilo Downwell (2015), que consegue ser visualmente único, mesmo sendo bem simples.
High-Bit
Como o nome sugere, o high-bit possui um número bastante elevado de pixels, o que gera resoluções mais altas e paletas de cores mais amplas. Este estilo se adequa a um número maior de detalhes e animações mais fluidas. Muitos jogos do SNES serviram de base para desenvolver o estilo, e um bom exemplo de jogo moderno que o resgata é Owlboy (2016), onde os sprites dos personagens e cenários são mais complexos e ricos em detalhes.
Neo-retro (Novo retrô)
Embora o neo-retro, ou novo retrô, não seja exatamente um estilo, e sim um conjunto de técnicas, vale mencioná-lo, pois com ele se criou uma nova identidade para os jogos em pixel art. O novo retrô pode ser visto em praticamente todos os jogos modernos que adotam pixel art, porque na verdade ele é fruto da adição de técnicas e efeitos modernos, que são usados para deixá-los mais atrativos.
Um ótimo exemplo do novo retro é Animal Well (2024), que ainda que adote uma pixel art simples, usa sistema de iluminação, efeitos de fumaça e possui até uma engine própria para dar vida ao seu universo e se distinguir visualmente, o mesmo acontece com Sea of Stars (2018), que possui vários efeitos acontecendo e uma animação mais suave.
Octopath Traveler (2018) também é um excelente exemplo de como a tecnologia expande as formas de explorar a pixel art, ao inserir o jogador em um cenário 3D constituído completamente por um estilo pixelizado
Como a pixelart ecoa em outras mídias?
Anteriormente citamos Paul Roberson, um grande animador conhecido por ilustrar em pixel art, mas ele não é o único exemplo, nem a única forma de mídia – animação – em que o estilo se manifesta ou influencia.
Em Detona Ralph (Disney, 2013) o personagem é um vilão típico de arcade em pixel art, apesar de misturar elementos 3D, a identidade da série brinca com o estilo, na mesma linha Pixels (Sony Pictures, 2015) e o curta-metragem feito por Patrick Jean (2010) fazem a mesma coisa.
É possível encontrar na internet canais dedicados à criação e desenvolvimento de jogos em pixelart, sites e comunidades ativas focadas no estilo como pixilart e pixeljoint, além de outros materiais produzidos no meio digital como livros, artigos, ilustrações, gifs, peças de design gráfico, campanhas promocionais e até mesmo outros jogos em 3D, como o fenômeno global Minecraft (2011), que usa o estilo tanto em sua forma 2d, quanto o simula em sua forma 3D, dentre outros.
Notamos que o estilo continua a influenciar novas gerações de criadores. E esperamos que esse artigo tenha mostrado o tamanho da cultura e influência da pixel art para a arte moderna e digital como um todo.
Esperamos nos ver em outros materiais aqui no Cultura Pixel. Se gostou, deixa um comentário com sua opinião, o material para que outras pessoas possam nos conhecer e até a próxima!
Referências
Mediag (2020). A philosophy of pixel art No. 1: What is Pixel Art?. Acesso em 25/07/24: Mediag | Mediag (2021). A philosophy of pixel art No. 2: Styles in Pixel Art?. Acesso em 25/07/24: Mediag | Abripothi (2023). “Pixels Beyond Screens: The Evolution of Pixel Art from Gaming to Contemporary Artworks. Acesso em 25/07/24: abirpothi | The Factory Times: Pursuing Creativity (2018). The History of Pixel Art. Acesso em 25/07/24: The Factory Times | Octavi Navarro.
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